A terra rasgada

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A terra rasgada

Texto de Aleluia Heringer, publicado originalmente no jornal Estado de Minas

A queda do céu, livro de David Kopenawa, precisa ser lido com abertura de mente e coração, além do leitor se preparar para definições precisas daquilo que somos aos olhos dos Yanomamis. Um grande enquadramento nos aponta como comedores de terra; que picam a floresta; rasgam seu chão; e a reviram como porcos do mato. Quando ali se esgota o metal deixam o rastro de sujeira nos rios e as epidemias.

Uma segunda definição de como somos percebidos é “povos das mercadorias”. De fato, nossas experiências são todas mediadas e nossas vidas dependentes de objetos. Essa foi, e continua sendo, a sedutora estratégia de abordagem utilizada nos primeiros encontros com os povos indígenas. Há uma leitura negativa desse gesto como algo corruptível e que obscurece os pensamentos. Os mais jovens deixam a roça, a caça e suas tradições e se distraem com aquilo que chega, inicialmente, sem esforço. Em suas mãos: rede, facão, cachaça, camisa, boné, biscoito etc.

Especialmente preocupante é a fragilidade desses povos diante do avanço agressivo dos garimpeiros, madeireiros, colonos e fazendeiros, tudo sob o manto sagrado do desenvolvimento e da chancela do descaso. “É perigoso se opor aos garimpeiros. Eles são muitos e todos carregam facas, espingardas e revólveres. Também têm dinamite, aviões, helicóptero e rádios. Nós só temos nossos arcos e flechas”. Teme que seu povo more num resto de floresta e que se tornem “restos de seres humanos”.

A terra, cada vez mais quente, por isso os brancos, preocupados, “inventaram novas palavras” para proteger a floresta, como ecologia, natureza, meio ambiente. Eles já tinham essas palavras.  A ecologia são eles próprios, tanto quanto os animais, as árvores, os rios, os peixes, o céu, a chuva, o vento e o sol. Segundo ele, “tudo o que veio à existência na floresta, longe dos brancos; tudo que ainda não tem cerca”. Kopenawa, de forma perspicaz, faz contundentes alertas. 

O que ele diz, de seu jeito, se assemelha ao dizer dos ambientalistas e cientistas. Somos nós, a espécie Sapiens, a maior ameaça e que inviabilizará a vida no planeta Terra. 

Precisamos olhar, querendo de fato ver, não somente para cima, mas para todos os lados, para o céu, para as florestas, para as profundezas do mar e, principalmente, para dentro de nós mesmos.

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